Pular para o conteúdo principal

Estado e Educação

É robusta a constatação de que o investimento público em educação básica apresenta retornos muito altos. Como bom economista, eu deveria mostrar dados infindáveis acerca disso e, se possível, utilizar algum método econométrico. Não o farei aqui nesse curto espaço, mas é notório que a maioria dos países desenvolvidos tem um bom sistema educacional público no nível básico.

O papel do governo nos mais diversos assuntos é motivo de discussão recorrente entre muitos cientistas sociais, inclusive os economistas. Apesar das evidências a respeito da relação entre ensino básico e crescimento econômico, muitos ainda teimam em deixá-las de lado.

Por um lado, os libertários, sempre contrários a toda e qualquer intervenção estatal, ignoram os dados ao achar que educação básica não deve ser oferecida pelo governo. É claro, suas opiniões a respeito da educação superior são as mesmas, o que, por acaso, é coerente com os dados. Reconhecemos que os libertários costumam ser metodologicamente coerentes: eles de fato ignoram as conseqüências porque estas não podem jamais sobrepor os princípios. A liberdade formal, como inclusive um liberal moderado como Rawls dizia, sempre é a prioridade. A crítica de Sen é interessante: afinal, por que a liberdade deve tomar precedência sobre outros fatores? É preferível que muitas pessoas pereçam do que abrir mão em certos momentos da prioridade absoluta da liberdade formal? É óbvio que liberdade pra eles gera naturalmente conseqüências boas. De fato, liberdade é muito importante. Mas não é o único fator importante.

Por outro lado, alguns esquerdistas no Brasil, por exemplo, ignoram os dados ao dizer que podemos e devemos manter os benefícios concedidos para a educação superior do jeito que está. O ensino superior é privilegiado com enormes subsídios, enquanto a educação básica tão valorizada nos países que se desenvolveram, sofre com o pequeno investimento que recebe. A esquerda defende nada mais do que uma transferência de renda dos pobres para os ricos que usufruem do ensino superior gratuito. Enquanto isso, os pobres sofrem em escolas públicas mal-estruturadas. Ricos matriculam seus filhos em escolas particulares. Esses esquerdistas têm dificuldade para entender que o governo tem uma restrição orçamentária, que não dá pra aumentar os gastos com o ensino básico sem tirar recursos de outro lugar. Preferem então amaldiçoar a iniciativa privada e hipertrofiar o Estado.

Dados ignorados: discussão estéril. Não significa ignorar princípios. Significa tentar levar em conta princípios e conseqüências equilibradamente. É simplesmente tentar dar alguma atenção aos dados e não apenas fiar-se nos posicionamentos contra ou favor do Estado. Coréia investiu maciçamente em educação básica. Brasil a ignorou. Crescimento não é apenas educação, mas essa tem um papel importante e não deve ser ignorada.

Comentários

Danilo disse…
A declaração universal dos direitos do homem e o pacto de São José da Costa Rica, dois tratados sobre os direitos humanos, expressam um certo consenso sobre essa questão. Afirmam que os pais têm prioridade na educação de seus filhos, principalmente no que toca à moral e a religião.

O problema da relação Estado-família, na educação, é realmente um tema clássico. Penso que o Estado deve se colocar como subsidiário à família. Nem os pais podem se desresponsabilizar sobre certos assuntos educativos (especialmente, os relativos aos valores), nem o Estado pode faltar naquilo que se refere ao ensino técnico.
Joel Pinheiro disse…
Olá Thomas.
Sou estudante de economia (e provavelmente prestarei o exame da ANPEC no fim do ano) e cruzei com seu blog "surfando" online.

Tenho que discordar radicalmente de que a defesa do libertarismo seja baseado na defesa de princípios independente das conseqüências.
É verdade que, hoje em dia, essa é a tendência (iniciada, ao que me parece, pelo economista Murray Rothbard, que apesar de brilhante podia se deixar levar longe demais por seus princípios absolutos).

Outros autores, não menos importantes, como Ludwig Von Mises, defendiam o liberalismo não com base em princípios "a priori", mas sim com base nas conseqüências para a população.
Segundo o próprio Mises, se fosse provado que uma certa intervenção do governo é boa para a sociedade, ele a defenderia.

Também em metodologia o papel de Mises foi fundamental. Ele mostrou como os "dados", a observação empírica, não tem muito a contribuir com a ciência econômica, que é por natureza dedutiva. Os dados são essenciais para o estudo da história, que se utiliza da teoria econômica para interpretar as correlações observadas na realidade.

Você já estudou algo sobre o Von Mises?

Abraços
Joel
Thomas H. Kang disse…
Não estudei Mises: qualquer contribuição é bem-vinda. Mas ainda, embora sem ter lido Mises, acredito que a maioria dos libertários jamais abriria mão dos princípios (pelo menos dos mais fundamentais), mesmo levando em conta as conseqüências até certo ponto.

Postagens mais visitadas deste blog

Endogeneidade

O treinamento dos economistas em métodos quantitativos aplicados é ainda pouco desenvolvido na maioria dos cursos de economia que existem por aí. É verdade que isto tem melhorado, até porque não é mais possível acompanhar a literatura internacional sem ter conhecimento razoável de técnicas econométricas. Talvez alguns leitores deste blog ouçam falar muito em endogeneidade ou variáveis endógenas, principalmente no que se refere a modelos econométricos. Se pensamos em modelos de crescimento endógeno, o "endógeno" significa que a variável que causa o crescimento é determinada dentro do contexto do modelo. Mas em econometria, embora não seja muito diferente do que eu disse na frase anterior, endogeneidade se refere a "qualquer situação onde uma variável expicativa é correlacionada com o erro" (Wooldridge, 2011, p. 54, tradução livre). Baseando-me em um único trecho do livro do Wooldridge (Econometric Analysis of Cross-Section and Panel Data, 2 ed, 2011, p. 54-55)

Lutero e os camponeses

São raros os momentos que discorro sobre teologia neste blog. Mas eventualmente acontece, até porque preciso fazer jus ao subtítulo dele. É comum, na minha condição declarada de cristão luterano, que eu sempre seja questionado sobre as diferenças da teologia luterana em relação às outras confissões. Outra coisa sempre mencionada é o episódio histórico do massacre dos camponeses no século XVI, sancionado por escritos de Lutero. O segundo assunto merece alguma menção. Para quem não sabe (e eu nem devo esconder isso), Lutero escreveu que os camponeses, que na época estavam fazendo uma revolta bastante conturbada, deveriam ser impedidos de praticarem tais atos contrários à ordem - inclusive por meio de violência. Lutero não mediu palavras ao dizer isso, o que deu a justificativa para a violenta supressão da revolta que ocorreu subsequentemente. O objetivo deste post não é inocentar Lutero do sangue derramado sobre o qual ele, de fato, teve grande responsabilidade. Nem vou negar que Lutero

Exogeneidade em séries de tempo

Mais um texto de quem tem prova de econometria na segunda-feira. Quem não é economista não deve de forma alguma ler esse texto. Não digam que eu não avisei. Quando falamos de exogeneidade na econometria clássica, estamos falando da chamada exogeneidade "estrita", que nada mais consiste no fato de uma variável x não ser correlacionada com qualquer erro. Nas séries de tempo, no entanto, trabalha-se com três tipos de exogeneidade, dependendo do fim proposto. Na busca de resultados em inferência estatística (modos de estimar parâmetros e formulação de testes de hipótese), utiliza-se, em séries de tempo, o conceito de exogeneidade fraca. Para isso, precisamos 'fatorar a função de distribuição em duas partes: distribuição condicional e distribuição marginal . Define-se que uma variável é fracamente exógena em relação aos parâmetros de interesse se, e somente se, houver um certo tipo de reparametrização e atender duas condições: a variável de interesse precisa ser função de apen