Pular para o conteúdo principal

Semper reformanda

No dia 31 de outubro de 1517, dizem que um monge agostiniano e professor de teologia chamado Martin Luther afixou um documento hoje conhecido como "As 95 Teses" na porta da Igreja do Castelo de Wittemberg (Schlosskirche), uma pequena cidade próxima a Berlin (cerca de 40 minutos de trem).

A chamada Reforma Protestante desencadeou profundas mudanças na sociedade europeia. Em primeiro lugar, o monopólio da Igreja Católica Romana na Europa Ocidental terminou. Mantiveram-se os monopólios regionais - certas regiões como o norte da Alemanha e os países escandinavos aderiram ao luteranismo, enquanto que diversos cantões suíços posteriormente adotaram a teologia reformada de Calvino e Zwinglio. Desenvolvimentos posteriores (e após muitos conflitos lamentavelmente violentos) geraram outras denominações protestantes. Nesse caldo efervescente, alguns exemplos de liberdade religiosa surgiram na Holanda - em que juntos conviveram por algum tempo os predominantes calvinistas, católicos, judeus e luteranos. Os ingleses, com a Igreja Anglicana e diversos conflitos, também tiveram que aprender a tolerar o diferente. E sem toda essa diversificação, é impensável o que teria sido da história não apenas eclesiástica, mas também secular, da Europa Ocidental e de todo o mundo.

Minha família coreana, pelo lado de meu pai, origina-se do calvinismo presbiteriano, mas morando no Rio Grande do Sul, meu pai optou pelo luteranismo. Por outro lado, minha mãe frequenta uma igreja pentecostal. E para complicar a situação, Porto Alegre é uma cidade extremamente secularizada - em que deve se contar o positivismo como ideologia dominante até o início do século XX e a pluralidade étnica e religiosa. No entanto, a minha participação em diversos eventos do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) tem sido frutífera em descobrir o que há de positivo na minha própria confissão. Tenho me tornado cada vez mais luterano e não apenas por uma questão de identidade. Ainda assim, tenho aprendido muito principalmente com ortodoxos e reformados. E não posso deixar de citar algumas leituras anglicanas. E estou cada vez mais cristão e luterano.

Ontem mesmo um pentecostal que conheço do CMI também disse que comemora a Reforma. E não porque significa uma ruptura com o catolicismo, do qual também aprendi através de alguns amigos católicos. A ruptura foi uma necessidade diante da situação, uma vez que não havia outra solução para o impasse. Lutero nunca quis a separação, mas queria que Cristo voltasse a ser o centro da fé. Houve muita briga, mas felizmente, hoje temos uma relação de colaboração com os católicos. Também erraram luteranos quando perseguiram anabatistas, mas também felizmente a Federação Luterana Mundial pediu perdão aos menonitas (que se originam dos anabatistas) há poucos meses.

A mensagem da Reforma para hoje já era dita naquele tempo: Ecclesia semper reformanda, ou seja, Igreja sempre em reforma. Sempre temos que cuidar para que Deus continue nos indicando os caminhos para que a Igreja seja cada vez mais solidária e continue falando do amor incondicional de Deus, da graça que não exige perfeição ou cobrança, de compromisso com a causa de Cristo, que pode ser identificado(a) naquele(a) que sofre por algum motivo.

Em 2017, a Reforma vai fazer 500 anos. Um jardim está sendo plantado na Alemanha em homenagem a esse evento.


Comentários

Allende disse…
Muito bom seu blog!
Sou pastor da IECLB e sua teologia é muito confessional.
Botei nos favoritos aqui, abraços!
Allende

ps: caí aqui pelo google, querendo mais informações do Sacerdócio Geral.

Postagens mais visitadas deste blog

Endogeneidade

O treinamento dos economistas em métodos quantitativos aplicados é ainda pouco desenvolvido na maioria dos cursos de economia que existem por aí. É verdade que isto tem melhorado, até porque não é mais possível acompanhar a literatura internacional sem ter conhecimento razoável de técnicas econométricas. Talvez alguns leitores deste blog ouçam falar muito em endogeneidade ou variáveis endógenas, principalmente no que se refere a modelos econométricos. Se pensamos em modelos de crescimento endógeno, o "endógeno" significa que a variável que causa o crescimento é determinada dentro do contexto do modelo. Mas em econometria, embora não seja muito diferente do que eu disse na frase anterior, endogeneidade se refere a "qualquer situação onde uma variável expicativa é correlacionada com o erro" (Wooldridge, 2011, p. 54, tradução livre). Baseando-me em um único trecho do livro do Wooldridge (Econometric Analysis of Cross-Section and Panel Data, 2 ed, 2011, p. 54-55)

Lutero e os camponeses

São raros os momentos que discorro sobre teologia neste blog. Mas eventualmente acontece, até porque preciso fazer jus ao subtítulo dele. É comum, na minha condição declarada de cristão luterano, que eu sempre seja questionado sobre as diferenças da teologia luterana em relação às outras confissões. Outra coisa sempre mencionada é o episódio histórico do massacre dos camponeses no século XVI, sancionado por escritos de Lutero. O segundo assunto merece alguma menção. Para quem não sabe (e eu nem devo esconder isso), Lutero escreveu que os camponeses, que na época estavam fazendo uma revolta bastante conturbada, deveriam ser impedidos de praticarem tais atos contrários à ordem - inclusive por meio de violência. Lutero não mediu palavras ao dizer isso, o que deu a justificativa para a violenta supressão da revolta que ocorreu subsequentemente. O objetivo deste post não é inocentar Lutero do sangue derramado sobre o qual ele, de fato, teve grande responsabilidade. Nem vou negar que Lutero

Exogeneidade em séries de tempo

Mais um texto de quem tem prova de econometria na segunda-feira. Quem não é economista não deve de forma alguma ler esse texto. Não digam que eu não avisei. Quando falamos de exogeneidade na econometria clássica, estamos falando da chamada exogeneidade "estrita", que nada mais consiste no fato de uma variável x não ser correlacionada com qualquer erro. Nas séries de tempo, no entanto, trabalha-se com três tipos de exogeneidade, dependendo do fim proposto. Na busca de resultados em inferência estatística (modos de estimar parâmetros e formulação de testes de hipótese), utiliza-se, em séries de tempo, o conceito de exogeneidade fraca. Para isso, precisamos 'fatorar a função de distribuição em duas partes: distribuição condicional e distribuição marginal . Define-se que uma variável é fracamente exógena em relação aos parâmetros de interesse se, e somente se, houver um certo tipo de reparametrização e atender duas condições: a variável de interesse precisa ser função de apen